“Desconstruir o olhar”. A primeira vez que ouvi essa expressão foi em uma aula do meu mestrado em Comunicação e Linguagens. Talvez de tudo que vi, ouvi e aprendi lá, essa foi a idéia que mais presente se fez em mim, que mais se arraigou no meu dia-a-dia. Os meus ex e atuais alunos vão identificar de imediato o que tantas vezes falei e repeti, pedindo, e continuo fazendo, a todos que desejam fazer boas fotos, que além do domínio da técnica, é fundamental desconstruir o olhar. Mas afinal o que é isso? É algo que inclui sim o sentido da visão, mas traz com ele a necessidade de usar os outros quatro sentidos e porque não dizer ousar os sentidos humanos. É sair da rotina, é ver as coisas de um outro lugar, é mudar de ponto, é furar a bolha que criamos em torno de nós mesmos.
Vou sim falar de fotografia, contudo iremos além da fotografia física ou virtual que capturamos com nossas câmeras. Vou falar também das fotografias que registramos no decorrer das horas e dias de nossas vidas. Daquelas que estamos deixando na memória dos nossos objetos tecnológicos e nos álbuns de nossa existência. Aqui vai estar a fotografia que se faz com a escrita da luz e a fotografia que fazemos com a nossa vida.
Venha. Vamos desconstruir o olhar.


quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Álbum em composição

Certamente você já se perguntou o que anda fazendo da sua vida. Incontáveis vezes já deve ter feito essa pergunta a si mesmo, isso sem mencionar às vezes em que leva em conta a vida de outras pessoas. Mas por hora vamos falar da nossa própria fotografia. Aquela em que registramos nossa história, nossos momentos, aqueles que estamos imprimindo e guardando em nosso álbum autobiográfico. Quando olhamos as fotografias do início de nossas vidas muitas recordações cheias de saudosismo virão. Nossa infância cercada de brincadeiras com irmãos, amigos e primos, cheiros e sabores das comidas deliciosas de nossas mães e avós, descobertas que pareciam descortinar um novo mundo a cada dia, algumas quedas, machucados, broncas, perdas e lágrimas, mas tudo isso acompanhado de um largo sorriso que só a infância é capaz de trazer.
Algumas páginas a frente encontramos fotografias da nossa adolescência e juventude. Ah que delícia. Quanta energia e vontade de crescer. Imagens que trazem inúmeros amigos, muitos sonhos, paixões fugazes, professores inesquecíveis, trabalhos e provas escolares que nem sempre mereciam a nota obtida, finais de semana e férias que deveriam durar para sempre. As primeiras decepções e decisões. O início da consciência da conseqüência. E as indagações começam a surgir com as últimas fotos dessa fase: “e se eu tivesse feito isso e não aquilo”; “e se eu tivesse escolhido outro caminho”. E se...
As fotos do amadurecimento surgem então a nos mostrar o resultado de nossas escolhas. O que acertamos e o que erramos. Os passos que demos e onde nos levaram. E neste ponto é inevitável refletirmos: “o que tenho feito de minha vida”; “para onde estou caminhando”; “estou nadando contra a correnteza ou estou a favor dela”. Aliás, nestes questionamentos é importante nos lembrarmos que a correnteza existe, mas em grande parte a fazemos mais forte ou mais fraca e por vezes temos o poder de mudar o curso do rio e transformá-la por completo. Podemos fazer curvas e seguir reto, subir e descer montanhas, cortar matas e atravessar cidades, fixar imagem no mapa ou desaparecer por completo após nossa passagem. É claro que não podemos controlar as tempestades de chuva e ventos fortes e nem mesmo os períodos de seca. Não podemos evitar que pedras rolem até nosso leito ou que toneladas de lixo sejam jogadas sobre nós. Porém, podemos escolher como iremos nos comportar durante e, principalmente, após essas intempéries. Podemos decidir se iremos apenas elevar nosso nível durante as cheias sem causar destruição ou iremos transbordar e arrasar com tudo a nossa volta. Temos sim o poder de transformar nossas águas em doces e límpidos espelhos ou carregar impurezas que nos tornarão turvos e de gosto amargos e, sobretudo, podemos decidir se queremos ser afluentes ou desaguar no mar.
Todas as decisões que diariamente tomamos e que deixamos sob uma maior ou menor influência exterior, quer sejam das circunstâncias, da participação de pessoas, de nosso repertório de vida, ou, ainda, de tudo isso junto, vão certamente compor as fotografias do nosso dia-a-dia. Contudo, cabe ao fotógrafo decidir o momento e o melhor ângulo para capturar a imagem desejada.  Cabe agora tomar a decisão mais importante de todas: assumir a missão de apertar o botão disparador da nossa máquina ou delegarmos essa função a outrem e ao acaso.


Encontro de Formas

 

 

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A arrogância do manequim

Quando conhecemos uma pessoa nem sempre vemos o que realmente se apresenta a nossa frente. Muitas vezes ela nos traz sentimentos em que a estampa é bem impressa, em tecido fino, com um corte impecável e acabamento perfeito. Só que a numeração pode não ser adequada ao nosso momento, ou estamos magros demais, exauridos por nossas vontades e carências, ou estamos com sobrepeso de nossa ignorância e arrogância, e a roupagem do outro não nos cai bem. Por melhor que seja a pessoa e suas intenções vamos desperdiçar uma excelente oportunidade de nos ajustarmos e crescermos como seres humanos. Preferimos fazer umas pregas na roupa ou remendarmos a seda com uma malha. Não nos esforçamos para merecermos uma amizade sincera ou um amor profundo, escolhemos a reclusão da aceitação forçada: “sou assim, esse é o meu jeito e quem quiser que me aceite dessa maneira”. E dessa maneira, aquele que nos ofereceu a oportunidade de nos trajarmos finamente, fica cansado de segurar o cabide, de nos oferecer alternativas de cores, desanima de nos encorajar a fazer um regime, enfadonha-se de segurar a porta do provador e por fim afasta-se e leva consigo além da roupa, o convite para a festa de uma vida nova.